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a sobrinha de Trotsky

Trotsky morreu. Depois disso a ultima tv de tubo foi desligada para dar lugar as smart tvs de LED FullHD, transmitindo de maneira cada vez mais espetacular o enlatado norte americano que é o esquizofrênico Brazil do seculo XXI.

Houston ainda mais multimilionário do que antes, se configura como o mais moderno exemplo da sociedade patricarcal, o macho alfa pós-moderno dos trópicos que, num "deslize" fetichista violentou e engravidou sua empregada, mulher preta e pobre, porém, nada do que um cheque e um punhado de ameaças assegure o seu silêncio.

 

A mulher só não abortou por causa da profunda culpa cristã que a assolou durante a gravidez, e no mundo enlatado entremeado por propagandas de perfume nasceu mais uma mulher preta, sua mãe a deu o nome de Rosa.

 

Na quebrada, através das tvs de tela plana, aprendeu as vantagens e os benefícios do consumo, assim como fora da tv também aprendeu o que é a exclusão pelo mesmo consumo.

 

Não fazer parte do padrão de beleza e do acesso irrestrito aos bens de consumo da moda, permeada pela consequente frustração e a baixa auto-estima e que através do classismo, do racismo e do machismo já entranhados em sua existência desde seu nascimento formaram inevitavelmente sua percepção de mundo. Mas foi num misto das aulas de historia da escola (da qual teve muita sorte de ter um bom professor, numa época em que nem sempre tinham professores), do RAP que aprendeu a gostar e pela internet, que ela foi entendendo aos poucos a lógica do capital, daí pra perceber que o Datena não era o dono da verdade como sua mãe achava que ele fosse foi um pulo.

 

Mas como praticamente todo mundo que nasceu diante de uma  TV,  Rosa gostava de cinema, no começo gostava de filmes de terror, mas com o tempo, passou a ter uma predileção por filmes políticos e de pretos, Spike Lee era seu favorito, conheceu por acaso numa pesquisa na internet. O último filme que a impactou intensamente foi do documentario da Nina Simone. De tanto ver filmes descobriu que levava jeito com fotografia, mesmo com um celular muito ruim que sua mãe havia lhe dado depois de uma vez ter desaparecido por uma tarde inteira, Rosa fazia fotos excepcionais.

 

Com o dinheiro de um bico de fim de ano traumático nas Lojas Americanas ela comprou uma câmera e um computador usados, instalou um software pirata de edição de imagens e aprendeu a editar filmes assistindo tutoriais no Youtube. Rosa queria fazer filmes.

 

Certo dia, assistindo Jornal Nacional estranhou a princípio quando viu as manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, onde pessoas tiravam selfies com a polícia, a mesma que já a oprimiu violentamente diversas vezes no bairro onde mora, a mesma que certa vez jogou bombas de gás sobre ela e seus amigos quando foram no shopping dar um rolezinho, lembrou também dos vídeos que viu na internet de diversas manifestações em que a polícia descia o cacete nos manifestantes, mas que nunca havia visto neste mesmo Jornal Nacional que assistia, como dito, estranhou a princípio, mas sacou rapidamente o poder da imagem na construção de um discurso e teve um insight. Se a imagem construída pelo sistema midiático dava a voz para um determinado setor da sociedade, sua câmera poderia e deveria ser um contraponto, uma outra voz, pois o mundo enlatado entremeado por propagandas de perfume representam outras pessoas, outra classe, que não a dela, e que era necessário que ela fosse sua própria mídia.

 

Foi nessa época que ela e seus amigos ocuparam a escola deles. 

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