top of page

Uma certa tendência do cinema guarulhense

“É preciso tirar o cinema do quarto de brinquedos”

Rogério Sganzerla

           

           

Guarulhos fica literalmente na margem da margem de São Paulo, ali pela zona leste (que já é margem) e depois da ‘Marginal’ Tietê, nas bordas de São Paulo. Guarulhos é uma cidade-borda situada à sombra da incessante luz espetacular que emana da capital econômico-cultural-cinematográfica, com seus espaços itaús de cinema, spcines e cineastas hipsters.

            Sem políticas públicas efetivas na área audiovisual, o que há são apenas fragmentos de ações sem continuidade, promessas não cumpridas, e o constante desmonte do pouco que havia, depender da gestão pública municipal para o fomento ao audiovisual na cidade é tipo acreditar em papai noel.

            E como agravante, um terrível cenário histórico-social se afirma diante de nós com o iminente crescimento do pensamento conservador e liberal nas entranhas da sociedade.

            Diante deste contexto, Guarulhos em pleno ano de 2017, depois do golpe, depois de outros tantos golpes, fora do centro, fora dos sistemas culturais estabelecidos, numa cidade desigual, cinza e provinciana, fazer filmes se torna um desafio pouco animador, porém, absolutamente necessário. E para isso algumas questões se tornam fundamentais como: QUEM SOMOS? COMO PODEMOS FAZER FILMES? PARA QUÊ E PARA QUEM FAZER FILMES? E POR FIM, QUE TIPO DE “CINEMA” DEVEMOS FAZER?

            Quem somos? Mesmo não sendo uma pergunta simples de responder, uma coisa é certa, nós os fazedores de filmes em Guarulhos somos em nossa maioria esmagadora oriundos da classe trabalhadora, não detemos os meios de produção, não somos não pertencemos ao seleto hall de cineastas formados nas grandes universidades de cinema de SP com especialização em escritas de projetos pra editais e associados a produtoras “top”. Antes de “cineastas” somos trabalhadores, ainda que desempregados em muitos casos, pagamos aluguel, pegamos ônibus lotados, tomamos esporros do patrão e enquadros da polícia, temos que conciliar o pouco tempo que temos com nossos filhos e compromissos pessoais com o fazer cinematográfico. Por isso, acredito que seria contraditório reproduzir o status quo do cinema convencional, vertical, setorizado, burocrático e careta. Na urgência dos tempos, quem somos e o lugar em que estamos exige uma nova perspectiva, não só nos roteiros e narrativas, mas também na maneira de se fazer filmes. É necessário entender a essência e a potência da ideia de coletivo, de colaborativismo, sem hierarquias e jogos de poder, sem a bobagem do diretor gênio, sem a perversão dos tapetes vermelhos que escondem toda a sujeira que envolve a exploração das pessoas em detrimento do ego de artista. Só assim conseguiremos viabilizar nossos filmes, pela cooperação dos nossos, com empréstimos de equipamentos, ajuda com mão-de-obra, compartilhameto de contatos, divulgação e cumplicidade de ideais.

            Isso nos leva ao próximo ponto, pra quê fazer filmes? Ora, para nos posicionarmos frente a este rolo compressor que paulatinamente (e agora mais do que nunca) vem nos esmagar enquanto seres humanos, para que de alguma forma possamos nos libertar dessas amarras que nos prendem aos nossos próprios rabos, e que nossos filmes possam de alguma forma possibilitar a expansão de consciência de outros que estão nas mesmas condições sociais que nós.

            Toda esta premissa nos dá embasamento para compreender a responsabilidade da não menos importante questão: que tipo de cinema devemos fazer? A priori, devemos fazer qualquer filme, o que a gente quiser, mas não podemos nos furtar de nossa condição, caindo na clássica armadilha que Paulo Freire certa vez citou: “Se a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor”, não podemos desperdiçar a potência do audiovisual para brincar de fazer filmes, para fazer a manutenção da alienação propagada pelos conservadores, na quebrada é ilógico achar que somos hollywood. Nós somos Maromomis, somos cineastas da margem, das bordas, de Guarulhos.

bottom of page